16 de novembro de 2014

Poema do Mundo


Há bocas em fome.
Há pés de chão.
Há ossos sem carne.
Há irmãos de armas na mão, e lados opostos.
Há filhos sem pai.
Há mães nos escombros.
Há olhos acuados, humilhados por vozes prepotentes.
Há cartucho vazio,
há casas de cinzas.
Há lábios secos e gargantas desérticas.
Há livros em chamas.
Há amores partidos à força,
há saudade sem esperança.
Há o desejo insaciável por mais e mais,
Não há justiça (talvez para alguns).
E sobra dinheiro.

Há discursos, opiniões, livros e discussões
Fala-se mais alto
Fala-se mais baixo
Pedem-se os votos
Abrem-se bancos.
Continuam a haver (sobrevi)vidas de sofrer
e barrigas de vazio, no entanto.
Desenvolvem-se economias, subdesenvolvem-se homens.                                         
As barras dos gráficos não servem de alimento, nem acalanto.

Defende-se de boca cheia (e roupas quentes)
a justiça e o mérito.
Mas o discurso vem do alto de suas cadeiras maciças,
não alcança o vale de ossos sob o qual sua casa foi erigida.
Pois há homens que se alimentam de homens,
e comem muito,
e sempre têm fome,
e sempre têm fome.

Há dor,
Há falta,
Há lágrima e castigo,
Não há descanso.

Mas há luz, e há luta.
Em algum lugar e em algum tempo,
crescerá nos corações dos homens a noção
de que todas as bocas famintas são nossas bocas
todos os filhos sem pai são nossos filhos
de que todo suor forçado nos molha
todos os corpos no chão foram nossos
todos os buracos de bala nos sangram
e toda sede nos seca
toda dor doerá então,
em nossos peitos.
Todas as lutas serão nossas.

Até que a fraternidade vença o discurso
Daremos então os braços (todos os braços)
o atrás, choraremos (com todas as lágrimas, lágrimas do mundo)
ao longe divisaremos o porvir (com todos os olhos).
E caminharemos juntos no caminho da paz.
A minha paz, a sua paz,
todas as pazes, a paz do mundo.

Esse tempo virá
mas até que chegue,
Lutemos!
Pois todas as bocas são minhas!
Todas as peles me cobrem!
Todo sofredor sou eu!

10 de novembro de 2014

Osci-lar


Entre a leveza do vento,
e os gritos de minha sombra,
eu oscilo.

Entre a luz do amor,
e o peso do mundo inteiro,
eu balanço.

Entre qualquer vazio
e qualquer abarrotado de sentido,
eu me encontro.

Entre a turbulência da vida inventada,
e o silêncio da alma,
eu me perco.

Entre os tambores do peito,
e o respirar fundo,
eu existo.

E na certeza da incerteza da vida,
eu repouso.

Pois existir nunca é linear.

18 de setembro de 2014

Às Vezes (Cinza)

Há dias em que o cansaço do corpo se torna sórdido,
toma gostos de sádico e se alastra para a alma.
Vai devagar ganhando território, te convencendo que sempre esteve ali.
Drena o caleidoscópio de cores do existir, até que fique só o cinza.

Um cinza forte, denso e vil, que ofusca.
Escurece o desejo de um amanhã melhor,
Ofusca os passos que demos, e nos movemos sempre estáticos.
Lentamente, turvando até mesmo um pouco de quem somos nós.
Fica esse cinza escuro dominante, com cheiro de velho e de mofo.

Sempre vence.
Desfaleceremos num sono agitado ou não.
E amanhã descobriremos se o sol nascerá mesmo de novo.

No mar de existir, vive-se um dia de turbilhão e outro de calmaria,
até que se afunde.

9 de setembro de 2014

Ecos

Aquela metáfora tão nossa, já passou, desgastou e rasgou.
As pétalas jogadas ao chão, ainda vivem?
Em alguma memória feita amarga, talvez.
O que era só nosso não é mais de ninguém.
Corrente que flui, e que seca.
O ultimo tic, do ponteiro que de cansado, parou.
A chama... há tanto tempo. Nem as cinzas se lembram.

O que é então?
Que se arrasta? Dono desses resquícios que grudam? O que é?
O frio da pele sem toque assusta, e o medo domina.
Mas, será?

Ou teriam todas as metáforas se extinguido?
E o que há para se sentir são ecos envelhecidos?
Ecos que gritam um sabor áspero, e tão tênue quanto renitente.
Mas, será?

Escorro entre essas interrogações arenosas e já erodidas,
até que caia.
E me levanto numa bravura tola de acreditar no futuro.
Tropeço, porém, no porvir além do porvir, onde ecos mais novos me espreitam
da porta deixada intencionalmente aberta, por onde entra o vento frio
que substitui o calor que agora existe apenas no passado desse futuro inventado.

Cada metáfora que morre, leva um pouco da espontaneidade
que alimenta essa fantástica gênese de significados.
E o amor meu caro, nasce sempre de alguma metáfora besta.

Porém, não é a bravura sempre tola?
Talvez na miscelânea de signos confluentes, algum se encante mais de outro,
e deixe sair do poço mais seco aquele velho cheiro quente, que hidrata o existir.
E as erosões caquéticas possam em fim terminar seu trabalho,
deixando a terra a ser batida por outros pés.

Mas, você vai se permitir?

13 de maio de 2014

Vidas à venda.


Você tenta.
E tenta novamente.
Você acredita, e acredita mesmo.
Acredita que é isso que vai te fazer feliz.
Você luta, transpira, transborda.
Acredita e desiste, e acredita de novo.
Tudo por aquele novo carro.
Ou aquela casa.
Quando eu estiver lá eu serei realmente feliz.
Com isso por mês, terei tranquilidade.
E aí quem sabe?

Como não ser feliz naquele apartamento?
Afinal, aquele cara, em frente a praia, carrão na garagem...
Que mais? De que ele precisa?

Até que.
E dai?
Talvez uma casa maior?
Talvez eu precise de um quintal.
Ou será que uma TV maior?

Mas eu continuo sozinho.
Mas posso pagar umas putas.
E as melhores drogas.
Mas depois.
E dai?
Você continua. Talvez haja algo.
Talvez algo maior possa tapar esse buraco.

Talvez seja reconhecimento.
Quem são eles? Quem eles acham que eu sou?
Eu sou maior.
HÁ. Olhe como são pequenos daqui de cima.
Mas depois... de onde vem esse vazio?

Sua fome cresce, sempre duas vezes mais
que quantidade que come.
Mas quando será o bastante?
Afinal, eu sou humano e sonho.

E meu sonho é claro.
Palpável, melhor, pagável.
Visível nas melhores vitrines.
E você luta. Você transpira, e consegue!
Mas então. Produto melhor. Vitrine ao lado.
Por que não? Quem eles acham que eu sou?

Casa grande. Mulher bonita. Filhos casados.
Carro sport. Smart TV, phone, not-so-smart-vida.
E morre. Como todos os outros.
Mas afinal, não era isso que você queria?

Lápide maior, lápide menor. Cruz de indigente.
No fim do jogo, ninguém vence.

9 de fevereiro de 2014

Felicidade

As vezes eu penso que a felicidade não é um estado que é alcançado quando conseguimos tudo (ou algo) que queríamos. Ela seria mais um estado intencionalmente mantido (a duras penas) no dia a dia. Seria mais uma vontade de estar em paz consigo mesmo e com o que acontece ao seu redor. Mas é de fato construída a duras penas, no dia a dia, nas pequenas ações, atitudes e pensamentos. E quando penso assim, tenho certeza de que se assim for, essa segunda felicidade é imensamente mais consistente que a primeira. Porque não é como um castelo efêmero construído na areia, é mais uma forte estrutura de pequenas pedras construída sobre um pântano lentamente aterrado. Será?

5 de fevereiro de 2014

Capítulo 5 – Divina Erosão


A alma, de pedra tem de se fazer areia, e da areia em pó, antes que possa voar com o vento.
E a erosão da alma começa pela dor.
Antes pesados e presos ao solo, pedras não lapidadas que se defendem no orgulho.
Que se escondem no grito, que se fazem de leves, e se pintam de paz.
Mas a verdade é interna, e não podemos fugir de dentro.

Reconhecer nossas falhas é antes um ato de coragem e nobreza, que um sinal de fraqueza.
Pois o pior fraco é o que se pensa e faz de forte.
O peso de nossas dores e erros, nos quebra aos poucos, e é penoso,
mas nos quebrando, nos fazemos mais leves.

Ninguém é tão forte que não possua fraquezas, ninguém é tão fraco que não possua forças.
Somos todos iguais.
Tentamos, mas não nos fazemos diferentes com dinheiro, poder, beleza, conhecimento ou qualquer outra coisa.
Diferenciamo-nos, mas mais pelos outros (que alimentam de forma prazerosa nossos egos) do que por nós mesmos.
Por que no fim, não importa quão belos, quão ricos, quão cultos sejamos, ainda erramos.
Erramos, por que fazemos sofrer, a nós e aos outros.
E assim sem encontrar o fim do sofrimento, queremos sempre mais daquilo que não nos completa. Querendo sempre mais, reiniciamos o ciclo.

Esquecemos que dentro de cada um, existe um silêncio, uma espécie de vazio que não conhece valores, que não pesa, que não compara.
Que só respira, que só existe, que só sente o vento na face, e ponto.
Nesse silêncio quase vazio vive uma paz eterna, que pode ser buscada a qualquer momento, pois também não conhece o tempo.

Uma vez nesse silêncio, a névoa do pensamento se desfaz, o peso se alivia, a dor se ameniza, e a vida parece mais simples de novo.
Podemos então, ponderar nossos atos com mais clareza, mais leveza, e assim lentamente nos tornar mais felizes.
Vivendo a paz, trazendo a paz. Perdoando “nossas ofensas, e a quem nos tenha ofendido”.
Trazendo calma em vez de raiva,
amor em vez de ódio,
compreensão em vez de palavras duras,
e caridade sempre.

E seguimos nos quebrando, desfazendo essa pedra que a vida mundana criou ao redor de nós.
Até que não sejamos nada (pelo menos aos olhos das outras pedras),
Apenas poeira, apenas ‘poeira no vento’.

E o vento, ah, esse sim não conhece limites.
 03/01/2014
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